Agassiz Almeida
Em 28 de outubro passado, encaminhei mensagem a Vossa Excelência, extensiva aos ministros desta alta Corte de Justiça. Nenhuma resposta recebi, apenas ouvi ecos de raivosos rumores nos corredores e gabinetes deste tribunal. Essa majestática postura não me surpreendeu. Quem, postado lá no Olimpo dessa corte eleitoral, iria ouvir desalinhavadas palavras de simples mortais? Um certo espetáculo de hipocrisia e de indiferença à decisão das urnas me transvasa a alma.
É sufocante e atordoante.
Em nome de uma norma jurídica alcunhada de ficha limpa, arma-se todo um anfiteatro onde mediocridades agressivas dão as mãos a grupos e grupilhos para produzirem excrescentes atos de agressão à justiça e à soberania popular.
Sob um oportunismo míope, derrotados glorificam-se de vitoriosos e assim enxovalham e agridem os sentimentos e a vontade do povo. A nação assiste, atordoada desde alguns meses, a uma interminável marcha da insensatez. O TSE, cumprindo o calendário eleitoral, convoca milhões de eleitores às urnas. Eleitos os vitoriosos, legitimados pelo sufrágio popular, certos semideuses empunham contra eles a espada de Dâmocles, e assim a soberana vontade do povo queda-se esfarrapada.
Que justiça é esta?! Um indignado gritou: "Oh, raça de resistentes, lavra com tua força a alma espezinhada dos povos".
Juízes, vós tendes a autoridade da razão e da Justiça, aplicai-as. Se a lei não se ajustar a estes postulados, sr. ministro, que morra a lei.
O que diremos à história do amanhã e às futuras gerações? Que em face de desencontradas decisões, sob o pálio de um moralismo a lá Catão, centenas de vitoriosos pelo sufrágio universal foram derrotados nos conciliábulos da justiça eleitoral e os vencidos nas urnas, ungidos como eleitos?
Em cada momento da história, cabe às instituições da justiça definir onde encontrar os verdadeiros postulados do Direito. Quanto é devastador se pretender reinar sobre a vontade das consciências livres, subvertendo a decisão das urnas.
Que cenário de inominável incongruência!
Oh! apressados julgadores, aprendeis a ciência de ouvir a grande lição, que vem desde a Revolução Francesa, de que cabe à soberania do povo o destino de suas escolhas.
Nesta hora, senhores ministros, vós deveis conduzir dois fachos: a evidência, luz do espírito, e a razão, luz da justiça. As decisões do povo precisam ser respeitadas e não ultrajadas. Quando julgais a soberania popular expressa na vontade de milhões de votos, que ações ides praticar em favor de quem, contra quem, e para afinal servir a quem?
Onde podeis encontrar a maior sangria da soberana vontade popular nas últimas eleições? No Amapá, no Maranhão, na Paraíba e por todo o país. São centenas de consagrados pelas urnas, contra os quais se lançam condenações ad infinitum.
Isso tem a cara do execrável.
Urge um basta, sr. ministro, a esta sarabanda em que a nação aturdida testemunha a vontade das urnas ser malbaratada.
Quo vadis, Domine! Que justiça é esta cujo espetáculo nos leva a essa observação? Cabe ao magistrado antes de se curvar à lei adequá-la aos caminhos da verdade.
Depois da cassação do senador João Capiberibe e de sua esposa Janete, arrancados do Congresso Nacional por trama urdida nos porões da oligarquia sarneysista e nos corredores e gabinetes do Senado Federal, como podemos olhar a justiça quando se desvendou que tudo foi forjado através da paga delituosa a falsas testemunhas? Que enorme farsa!
As veias do Amapá e do país estão a sangrar.
Aos dias 17, 18 e 19 de novembro, reportagem do jornal “Folha de São Paulo” estarrece a nação. Lá está estampado com as tintas do abominável o plano macabro da cassação do senador Capiberibe. E o mais grave: este quadro torna-se cretinamente kafkiano. Nas últimas eleições de 3 de outubro, esse condenado sem crime é consagrado nas urnas pelo eleitorado do Amapá, elegendo-se senador.
O que se assiste estarrecido? O TSE, em nome dessa lei da ficha limpa, desconhece e afronta a decisão do povo não legitimando a segunda vitória desse valoroso homem público, cuja história engrandece a nação.
Até onde alcança a insensatez? Certas decisões dessa superior corte eleitoral estão a assumir a dimensão de um caso Alfred Dreyfus, oficial do exército francês, supliciado ao degredo na ilha do Diabo, Guiana Francesa. Que infame julgamento de devastadora injustiça!
De Émile Zola, grande escritor francês, partiu o grito de indignação contra aquela abominável condenação gestada pela mancomunação entre juízes venais e grupos político-militares. O que se produziu? Aberração histórica que estremeceu o mundo.
Encerremos esta mensagem, senhor ministro. A nação espera que a soberania popular conquistada com o sangue e a liberdade de muitos democratas que lutaram contra a ditadura militar não seja arrastada ao afogamento como os carneiros de Panúrgio.
O autor é deputado federal constituinte de 1988, escritor do grupo Editorial Record, autor de “A República das elites” e “A Ditadura dos generais”, Promotor de Justiça aposentado, professor da UFPB. Participou de congressos mundiais em defesa dos Direitos Humanos e de autênticas democracias.
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