sexta-feira, 24 de julho de 2009

MAIS SOBRE “CORAÇÃO VAGABUNDO”


Luiz Fernando Vianna, da Folha de S. Paulo
Marco Bezzi
, do Jornal da Tarde

Andando por Nova York, com gestos largos, Caetano Veloso parece se dirigir não à câmera, mas ao câmera: "Vivi até os 18 anos em Santo Amaro [da Purificação, na Bahia]. Não sou um cara de São Paulo que já nasceu achando que estava no mundo".
Foi neste momento que o câmera - na verdade, o diretor paulista Fernando Grostein Andrade descobriu o eixo de seu documentário sobre Caetano: a relação com o mundo de um compositor que, nascido no interior, injetou temas internacionais no panorama musical do Brasil dos anos 60 e, hoje, é um dos artistas do país mais respeitados no exterior.
"Coração Vagabundo", que tem sua estreia hoje nos cinemas do Rio de Janeiro e São Paulo, não tem pretensões biográficas ou didáticas em relação a Caetano. Do alto de seus 28 anos, tendo feito as entrevistas quando tinha entre 23 e 25, Andrade diz que sua juventude e o estilo "câmera na mão" foram trunfos. "Ele nunca ia se soltar como se soltou se tivesse uma equipe grande atrás. E eu não queria explicar Caetano. Não sou um intelectual, não sabia mesmo várias coisas e tinha uma vontade genuína de saber", afirma o diretor.
Andrade tinha feito um trabalho em "Lisbela e o Prisioneiro", e uma das produtoras do filme, Paula Lavigne, então casada com Caetano e ainda hoje sua empresária, o convidou para registrar o lançamento do CD "A Foreign Sound" no Baretto, em São Paulo. Empolgado, ele acabou acompanhando apresentações no Carnegie Hall, em Nova York, e em três cidades do Japão - além de falar com o músico David Byrne e os cineastas Pedro Almodóvar e Michelangelo Antonioni.
No documentário, Caetano é Caetano. Opina sobre tudo: religião, política, música, antropologia... Os cortes giram em torno das opiniões do músico colhidas pelo diretor em mais de 56 horas de filmagem. Caetano defende: "Um amigo meu assistiu ao filme e o achou muito superficial. Eu não achei. É feito de um jeito despretensioso, mas não é superficial. Eu fico um pouco envergonhado de falar tanto, mas mesmo eu consegui acompanhar sem desagrado, com interesse. A escolha das coisas que eu disse me pareceram boas. Acho que fomos longe, para algo que não era para ser nada", explica.
Em certo momento, o cantor fala que não gostaria de morar fora do Brasil, mas, caso tivesse de se mudar, moraria ou em Nova York ou em Madrid. Almodóvar, em seu depoimento, fala que Paula Lavigne é uma inspiração para seus personagens. "Ela é forte, exuberante, decidida", diz o cineasta.
Também responde com veemência a uma crítica feita numa revista por Hermeto Pascoal, que o chamara de "musiquinho" por considerar a música norte-americana mais importante do que a brasileira. "Eu sou um musiquinho e, também, um poetazinho. [...] Usando o critério dele, os Estados Unidos arrasam. Ele é apenas uma gota num oceano de pessoas que admira", diz.
Em outros momentos, Caetano se mostra íntimo e triste, como ao falar de sua sensação ao pousar em Los Angeles, escala para o Japão. "Olhando para baixo, me deu uma emoção estranha que eu só poderia resolver fazendo uma música. Vou ter que fazer", conta ele, que faria mesmo "Minhas Lágrimas", do disco "Cê" [a letra será postada a seguir].
Nos camarins, após o show no Carnegie Hall, Caetano recebe a übber model Gisele Bündchen e se encanta. "Me dá o telefone da Gisele, Paula", pede à esposa, que nega. Durante coletiva, o repórter do CQC Rafael Cortez pergunta ironicamente se essa negativa foi a gota d’água para o fim do relacionamento. "Não", fala Caetano, monossilábico.
Perguntado sobre a participação ativa da ex-mulher no longa, Caetano fala: "É perfeitamente coerente com a história desse filme que a Paula seja a primeira pessoa a aparecer na tela. Ela que veio com a proposta de convidar o Fernando para tocar o projeto. Tinha assistido a um curta-metragem dele chamado De Morango. A Paula tá bonita, tá bem", reflete Caetano, enquanto Paula olha por trás dos jornalistas. "Concordo plenamente com o Caetano. E achei que ela poderia censurar a primeira cena, mas foi muito pelo contrário. Me disse: ‘Você cortou a melhor parte!’". A nudez, então, foi integrada à versão final. Dura um segundo.

Surpresa
Já no Japão, durante visita a um templo budista, é surpreendido por um monge que diz ser fã de "Coração Vagabundo". Ele responde contando que fez a canção quando era muito jovem. O fato de ela ter sido composta ainda em Santo Amaro e ganhar tanta projeção contribuiu para virar o título do documentário - que, antes, se chamava "O Errante Navegante".

Filha
No final, ele conta que já pensou em deixar recomendação para ser cremado, mas que prefere mesmo ser enterrado no cemitério de Santo Amaro ao lado de seu pai [Zeca Veloso] e sua filha - Júlia nasceu em janeiro de 1979, mas viveu apenas alguns dias.
A Natasha, empresa de Lavigne, produziu o filme ao lado da Cine e da TeleImage, mas Caetano só viu o resultado recentemente e não pediu mudanças, segundo Andrade.

Nenhum comentário: