sexta-feira, 31 de julho de 2009


Vanguarda:
O senhor está satisfeito com as políticas públicas de implantação dos Pontos de Cultura ou crê que precisa ser feito muito mais ainda?

Gilberto Gil:
Precisamos fazer mais, sem dúvida! Nesses cinco anos de trabalho nós nos restringimos a 1.500 Pontos de Cultura em todo o Brasil, e a previsão é encerrar o ano alcançando pelo menos 2.000, com a pretensão de estendê-los há 15 ou 20 mil Pontos de Cultura na conclusão do mandato. A finalidade imediata do Mais Cultura é levar programas e projetos aos lugares mais distantes, e aí entram as bibliotecas públicas. Nós esperávamos ter zerado a implantação das bibliotecas nos municípios brasileiros, que seriam em torno de pouco mais de 500 unidades. Entretanto, a cada dia, novos municípios se emancipavam no Brasil, nos levando a ampliar esse número, e só agora, também em fins de 2008, vamos certamente zerar esse déficit.

Vanguarda:
E os municípios do Amapá, estando entre os mais isolados e distantes, naturalmente estão incluídos nesse processo?

Gilberto Gil:
Vamos instalar bibliotecas nos municípios carentes e ampliar o número delas em Macapá, uma cidade com 400 mil habitantes, que representa a maior concentração de pessoas vindas de todos os municípios do Estado. Os Pontos de Cultura no Amapá, que por enquanto são 15, também serão ampliados. A idéia é chegar, até o final do governo, com 30 a 40 Pontos de Cultura em todo o Estado. O projeto Mais Cultura deverá ajudar o Amapá a se projetar mais regional e nacionalmente.

Vanguarda:
E quanto ao projeto Jornada Cultural lançado na Fortaleza de São José de Macapá?

Gilberto Gil:
O projeto Jornada Cultural foi criado para ampliar a vida cultural no Estado, a participação da sociedade nessa vida cultural, as responsabilidades institucionais, dos governos federal e estadual, assim como do Congresso Nacional, já que os recursos para dar sustentação a esse projeto são resultantes de uma emenda parlamentar apresentada pelo deputado Evandro Milhomem (PCdoB-AP), cujo valor total é R$ 680 mil.

Vanguarda:
O senhor esteve, logo na sua chegada, em contato com a comunidade quilombola do Curiaú e inaugurando ali mais um Ponto de Cultura. Como vem sendo desenvolvidas as ações do seu Ministério com essas comunidades?

Gilberto Gil:
Nós conseguimos ao longo desses anos de governo identificar pelo menos 1.200 comunidades quilombolas no Brasil. Para algumas delas, nós fizemos as gestões junto ao INCRA, no sentido da titularidade, do ponto de vista fundiário, etc. Estamos trazendo nossos programas, como os Pontos de Cultura e outros programas do Ministério da Cultura para essas comunidades. E vamos continuar com essas ações, buscando aperfeiçoar cada vez mais o trabalho devido a dificuldades que o programa tem como caracterização propriamente do que seja uma comunidade quilombola. Os estudos muitas vezes demorados que os antropólogos precisam fazer no sentido de atribuir características quilombolas a uma determinada comunidade e assim fazer com que ela se habilite a ser de fato uma comunidade quilombola. As 1.200 comunidades caracterizadas como quilombolas no Brasil – entre elas o Curiaú – é algo que, ainda que não nos deixem inteiramente satisfeitos, pelo menos nos dão uma noção de como podemos trabalhar e quanto ainda temos que fazer.

Vanguarda:
Após o seu discurso na Fortaleza de São José, estimulado naturalmente pelos tambores de batuque e marabaixo, o senhor não resistiu e acabou cantando “Macapá”. Vamos falar com o artista agora: como foi gravar a canção que Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira fizeram em homenagem a nossa cidade?

Gilberto Gil:
Pois é... Veja que coisa curiosa! Essa canção foi composta em 1950, quando o Luiz Gonzaga esteve por aqui a convite do governador da época [Janary Nunes]. E eu gravei e a coloquei em disco, em 1979, num compacto de vinil simples, que tinha do outro lado a versão “Não chore mais”, que fiz pra canção do Bob Marley. O disco tocou muito no rádio, porque homenageava as pessoas que estavam voltando do exílio. E “Macapá”, depois do Luiz Gonzaga, eu fui o primeiro a gravar...

Vanguarda:
O que pra nós é uma honra! Como também é uma honra tê-lo agora aqui no monumento Marco Zero do Equador. E eu queria saber como é que o ministro da Tropicália se sente nesse momento, no meio do mundo, exatamente no ponto eqüidistante entre os trópicos?

Gilberto Gil:
A linha imaginária do Equador sempre foi uma referência simbólica ligada a todo esse contexto dos mistérios. É uma linha imaginária, mas ao mesmo tempo tem a ver com toda essa questão da lógica científica: a geografia, as dimensões, as medidas, todos esses grandes mitos que têm feito a civilização, desde a coisa oriental, a coisa grega, o segmento áureo. Todas essas grandes coisas ligadas à matemática, ligadas ao número... Enfim, que tem um papel importante na vida da gente e na vida dos poetas também. Estar aqui hoje, nesse momento, tem essa coisa de estar efetivando uma aproximação concreta com uma dessas marcas importantes, que é a linha do Equador, a divisão dos hemisférios. A linha imaginária faz com que a gente passe a imaginar coisas também, não é?! [risos]

Vanguarda:
Está de berço o movimento que renovou a cultura brasileira. Em julho agora faz exatos 40 anos que o disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circencis foi lançado. O que o Gil pode nos dizer agora sobre o que foi feito ali e sob este mesmo sol tropical?

Gilberto Gil:
Era hora, naquele momento, 40 anos atrás, de alguém cuidar das atualizações dos conceitos e das práticas propriamente brasileiras no campo da cultura, o Brasil em relação a si próprio e em relação ao mundo. Foram alguns jovens entusiastas daquela época que se incumbiram disso: Caetano, eu, Capinam, Torquato Neto, Tom Zé, Rogério Duprat e Rogério Duarte, Nara Leão, Gal Costa, Glauber Rocha, José Celso Martinez, os meninos dos Mutantes – Rita Lee, Sérgio Dias e Arnaldo Baptista – e mais os meninos das artes plásticas, Rubens Gerchman, Antônio Dias e Hélio Oiticica. Era isso, atualizar o discurso, o modo de compreender a fala compreensiva sobre o Brasil. Compreensiva em todos os sentidos – compreensiva no sentido natural da palavra e no sentido da abrangência, como por exemplo: em que tipo de cesto o Brasil cabia? Qual era o tamanho da cesta para caber o Brasil? Essas coisas assim... Que dimensão o Brasil tinha como elemento de projeção pro futuro? Os sonhos míticos todos sobre o destino do Brasil, tudo isso no campo de contemporaneidade e cultura popular, mas ao mesmo tempo em recuperação dos traços míticos da vida brasileira, as profundas relações com a África, com as ancestralidades... A Tropicália!

Vanguarda:
E pra finalizar, eu queria um depoimento seu sobre uma pessoa que tem uma relação cultural muito forte com o Amapá e a Amazônia em geral – você e o Caetano sempre o tratam como “mestre precursor da Tropicália” – que é o Jorge Mautner. Ele vem à Macapá e será, inclusive, a atração principal do projeto de cultura e meio ambiente amazônicos, que celebra os cinco anos de nossa revista. Tem o filme O Demiurgo, sobre o encontro de vocês no exílio em Londres, que ele vai trazer. Enfim, quem é esse cara que vai sentar praça na cavalaria de São Tiago chamado Jorge Mautner?

Gilberto Gil:
Jorge é meu amigo, um grande amigo! Talvez hoje, ao lado de Caetano, são os dois maiores amigos que tenho. Recentemente com o Mautner foi possível sedimentar um aluvião de afetos, de mútuo respeito e admiração. E Jorge é um grande poeta, um grande pensador! Um homem preocupadíssimo com a questão da humanidade, com seus avanços, seus destinos, o equilíbrio entre a tradição e a inovação, o arrojo, a descoberta. É uma capacidade filosofante muito forte, um grande compositor e parceiro... Compusemos duas canções recentes que estão no novo disco dele, o Revirão, do qual participo, e que estão no Banda Larga também, o meu disco que lancei agora. Eu sou suspeito pra falar de Mautner porque ele é muito meu amigo... [risos]

Vanguarda:
Obrigado, ministro, por aceitar o meu convite e pela entrevista.

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