quarta-feira, 16 de setembro de 2009

AVE, DONA CANÔ!


Em 2007, na edição especial de Vanguarda 12, que trouxemos como reportagem de capa “Macapá – Enredo da Beija-Flor”, o editorial da revista foi sobre o centenário de Dona Canô. E por ela estar completando hoje mais uma risonha primavera - 102 anos -, postamos aqui o histórico editorial.
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100 ANOS DA MÃE DA TROPICÁLIA
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Aroldo Pedrosa
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No dia 16 de setembro de 2007, Dona Canô, a mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia, fez 100 anos. A cidade do Recôncavo Baiano, Santo Amaro da Purificação, esteve em festa no domingo de sol celebrando o centenário da mais ilustre senhora do lugar. O acontecimento mereceu destaque em toda a imprensa brasileira. No Amapá, entretanto, o jornalista Renivaldo Costa (ex-apresentador do programa Macapá Urgente – TV Macapá) revoltou-se, sobretudo com Deus, por ter concedido à matriarca dos Veloso viver tanto. Para ele, que sempre fez questão de manifestar publicamente o seu inconformismo e preconceito ao menor sinal de ascensão da mulher na sociedade machista dos homens, o alarde em torno daquela simples senhora, mãe da Tropicália, evidentemente que o chacoalharia. Agora pense num cabotino cínico – deslavado cabotino! –metido a intelectual (um pseudo-intelectual de miolo duro, isso que ele) e que se acha “lindo de bonito”, ensandecido com as bênçãos de Santo Amaro e São Salvador à longevidade daquela doce vida baiana. “Canô é uma pessoa canonizada em vida”, disse o ministro tropicalista da Cultura, Gilberto Gil, em entrevista ao Fantástico, depois de entregar carta de felicitações do presidente Lula à aniversariante. Gil foi a Santo Amaro da Purificação representando oficialmente o presidente da República.

As homenagens à celebridade religiosa santamarense começaram no dia anterior, quando a cidade recebeu a imagem de Nossa Senhora Aparecida, vinda de São Paulo, especialmente para a ocasião. Sob aplausos da multidão, em meio à procissão que parou Santo Amaro, Dona Canô se emocionou ao receber das mãos do padre Josafá Morais a imagem da padroeira do Brasil. “Estou recebendo essa graça de Deus de 100 anos com muita satisfação e alegria, porque reunir meus amigos, meus filhos e todos os meus parentes que vieram de longe, para mim e a maior festa”, disse Dona Canô à reportagem do Jornal Nacional. Maria Bethânia, acompanhada por um coro de peregrinos de tantas mil vozes, entoava o clássico Romaria, de Renato Teixeira. “O centenário de minha mãe com a imagem de Nossa Senhora Aparecida, entrar na casa de Nossa Senhora da Purificação, estar na nossa terra, na nossa cidade, onde minha mãe também é guardiã, é muito bonito e emocionante”.

O filho tropicalista edipiano confesso Caetano Veloso, que na canção Reconvexo reverencia a religiosidade da genitora com o verso “Quem não rezou a novena de Dona Canô?”, na escadaria da igreja matriz cumprimentou-a assim: “A bênção, minha mãe!”. Caetano também disse que foi com ela que aprendeu a escrever e cantar.

“E qual a receita para chegar aos 100 anos”, perguntou a repórter. “Paciência. Porque uma pessoa impaciente, que briga por tudo, não pode viver bem”, revelou, da experiência extraordinária de viver um século, a mãe da Tropicália.

MÃE
Caetano Veloso

Palavras, calas, nada fiz
Estou tão infeliz
Falasses, desses, visses, não
Imensa solidão

Eu sou um rei que não tem fim
E brilhas dentro aqui
Guitarras, salas, vento, chão
Que dor no coração

Cidades, mares, povo, rio
Ninguém me tem amor
Cigarras, camas, colos, ninhos
Um pouco de calor

Eu sou um homem tão sozinho
Mas brilhas no que sou
E o meu caminho e o teu caminho
É um nem vais, nem vou

Meninos, ondas, becos, mãe
E, só porque não estás
É para mim e nada mais
Na boca das manhãs

Sou triste, quase um bicho triste
E brilhas mesmo assim
Eu canto, grito, corro, rio
E nunca chego a ti

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