segunda-feira, 19 de outubro de 2009

SARNEY E EU


Adelécio Freitas (um BMB legítimo)
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Algumas semanas atrás recebi um email sobre uma manifestação na frente do Congresso Nacional pedindo "Fora Sarney". Na hora fiquei bastante animado, encaminhei o email para toda a minha lista de contatos e pensei que finalmente as pessoas iriam se indignar e reagir à tanta sujeira.
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No dia da manifestação me bateu uma preguiça... Após um longo dia de trabalho o cansaço me venceu, e afinal, quem iria sentir a minha falta? No dia seguinte eu procurei eufórico nos sites de jornalismo sobre a tão falada manifestação que foi toda planejada em comunidades virtuais e bastante divulgada pelo twitter. Para a minha surpresa não existia nenhuma manchete, nem ao menos uma nota de rodapé. Resolvi entrar em uma das comunidades do orkut que organizaram a manifestação, e para a surpresa de todos, apenas cinqüenta pessoas se dispuseram a ir para a frente do Congresso. Apenas 50 pessoas? Sendo que eu sozinho divulguei para mais de 1000? Que povo mais acomodado, pensei indignado, porque será que eles não foram?!... Não demorou muito para a ficha cair. Eles não foram pelo mesmo motivo que eu não fui. Esperava que "alguém" fosse no meu lugar.
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Recostei-me na poltrona em frente à televisão e olhei para a janela do meu apartamento, que refletia a minha imagem. Fiquei olhando para mim e para a minha confortável inércia. Foi quando de súbito, eu tive a arrebatadora visão daquilo que sempre procurei e nunca encontrei, o meu verdadeiro papel na sociedade. "Que bunda-mole!".
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Finalmente, depois de tantos anos de crise existencial, pude perceber que eu era uma peça importante na sociedade, um legítimo Bunda-mole brasiliense (ou BMB).
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Existem bundas-mole municipais e estaduais, mas eu tenho orgulho de dizer que sou um bunda-mole federal! Nas minhas viagens de férias sempre algum engraçadinho vinha falar: "De Brasília, né... já tem conta na Suíça?". Eu ficava indignado, falando que eu era um funcionário público concursado, que pagava os meus impostos, enquanto o povo que roubava vinha de fora e blá blá blá. Mas agora eu vejo com nitidez que eu tenho um papel importante nesse cenário. Eu como um legítimo BMB ajudei a criar esta barreira de proteção que mantém os verdadeiros FDP livres para fazerem o que bem entenderem.
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Eu acho que as coisas estão bem do jeito que estão. Tenho dinheiro todo mês para pagar a prestação do meu carro 1.0 e do meu apartamento de dois quartos, frequento uma academia para queimar o meu excesso de ociosidade, tenho meu smart phone comprado na feira do Paraguai, e no final do ano ainda vou ficar um mês em uma casa de praia alugada junto com a minha família para a incrível experiência de assarmos como batatas na areia... Mais BMB impossível!
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Nas sextas-feiras, eu me sento com os meus amigos em um barzinho e depois do terceiro copo de cerveja soltamos toda a nossa indignação contra a patifaria que rola solta em Brasília, cada um conta um caso de um amigo próximo que enriqueceu da noite para o dia às custas do dinheiro público (o difícil é disfarçar aquela pontinha de admiração pelo "ixperto"). Depois traçamos os planos para endireitar o país. Planos que vão embora pelo ralo do mictório antes de pagar a conta. BMB de carteirinha!
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Os anos passam e as conversas vão mudando: PC Farias, anões do orçamento, precatórios, privatizações, dólar na cueca, mensalão, sanguessugas, vampiros, Lulinha Gamecorp, Daniel Dantas, o dono do castelo, Petrobrás, e agora a cereja do bolo, ele, o único, o inigualável Sarney! Sarney é como um ícone do atraso nacional (clientelismo, fisiologismo, nepotismo, coronelismo, apropriação da máquina pública, desvio de verbas públicas etc), mas o que seria do Sarney sem a legitimidade dos BMB's? O que seria da ilha da fantasia, dos cabides de emprego, dos lobistas, do QI (quem indicou), dos cargos de confiança, dos funcionários fantasmas, dos atos secretos sem a nossa apática presença? Imaginem se no nosso lugar estivessem aqueles sul-coreanos malucos que iam para a rua protestar partindo pra cima da polícia, ou aqueles jovens em Seattle que furavam um forte esquema de segurança da OMC para protestarem contra a globalização.
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O BMB precisa ter o seu papel reconhecido, somos nós que deixamos tudo correr frouxo, somos nós que damos uma cara de democracia a este coronelismo em que vivemos. O nosso poder aquisitivo acima da média nacional protege o Congresso e os palácios da miséria e da violência que fervilham em nosso entorno.
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Bundas-mole: Vamos exigir os nossos direitos! Precisamos finalmente mostrar a nossa cara. Nunca antes na história deste país o bunda-molismo foi tão grande. Seja ele de centro, de esquerda ou de direita. Bunda-molismo no movimento estudantil chapa-branca, nos sindicatos que só vão para a frente do Congresso para pedir aumento e nos artistas que se acomodaram no conforto dos patrocínios oficiais.
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Vamos exigir que se crie em Brasília o museu do bunda-molismo nacional na esplanada dos ministérios, uma enorme bunda branca de concreto, que irá combinar muito bem com a arquitetura de Niemeyer.
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Assistimos de nossas poltronas o Brasil tomar o rumo da mediocridade, sem um projeto à altura do seu papel de grande potência ambiental do planeta, que pode liderar a nova economia limpa e inclusiva que irá gerar milhões de empregos. Mas que faz o contrário, age como a eterna colônia de exportação de matéria-primas, fazendo vista grossa para o colosso chinês que irá nos engolir com a sua máquina movida à destruição ambiental e desrespeito aos direitos humanos, para criar uma efêmera ilusão de prosperidade às custas de nossa biodiversidade e da nossa água doce (estes sim os nossos bens mais valiosos). A bunda-molização é muito mais eficaz do que o autoritarismo, ela pode ser eletrônica, através de novelas, videocassetadas, big brotheres e cultos picaretas. Pode ser química, com cerveja, maconha ou anti-depressivos. E também pode ser ideológica, com receitas milagrosas, e debates calorosos que sempre desaparecem em um clicar de mouse. Vivemos em uma sociedade anestesiada e chapada, sem rumo, imersa em ilusões baratas.
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O bunda-molismo nos une, não segrega ninguém, é a democracia verdadeira, que brilha por debaixo de uma crosta de hipocrisia e ignorância. E como toda ideologia que se preze, nós temos o nosso avatar, o nosso guru. Aquele que nos trás para a realidade e mostra quem realmente somos, revela o nosso eu profundo, a nossa essência.
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Obrigado Sarney, só você para tirar as minhas dúvidas e me mostrar o mundo real por trás das ilusões. Sarney, nós somos duas faces da mesma moeda. Somos Yin e Yang. Nós somos os pilares deste país, um não existiria sem o outro. A sua cara de pau só existe porque do outro lado está a minha babaquice. Bundas-mole de todo o país, uni-vos! Vamos celebrar a nossa mediocridade, vamos sair às ruas gritando: Viva Sarney! Viva Collor! Viva Maluf! Viva Roriz! Viva Gim Argello! Viva Renan Calheiros! Viva Romero Jucá! Viva o FHC! Viva Lula! Viva a República das bananas do Brasil!
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Mas isso é pedir demais para um bunda-mole, vou voltar para a minha poltrona porque o Jornal Nacional já vai começar.

Um comentário:

Ricardo T. D'Almeida disse...

nem sei o que dizer...
só sei que não há argumentos contra o argumento do texto.