sexta-feira, 7 de agosto de 2009

GIL SOBRE “SUPER-HOMEM – A CANÇÃO”


"Eu estava de passagem pelo Rio, indo para os Estados Unidos fazer a excursão do lançamento do Nightingale - um disco gravado lá, com produção do Sérgio Mendes -, em março e abril de 1979, e gravar o disco Realce, ao final da excursão. Na ocasião eu estava morando na Bahia e não tinha casa no Rio, por isso estava hospedado na casa do Caetano. Como eu tinha que viajar logo cedo, na véspera da viagem eu me recolhi num quarto por volta de uma hora da manhã. De repente eu ouvi uma zuada: era Caetano chegando da rua, falando muito, entusiasmado. Tinha assistido ao filme Super-Homem. Falava na sala com as pessoas, entre elas a Dedé [Dedé Gadelha, mulher de Caetano à época]; eu fiquei curioso e me juntei ao grupo. Caetano estava empolgado com aquele momento lindo do filme, em que a namorada do Super-Homem morre no acidente de trem e ele volta o movimento de rotação da Terra para poder voltar o tempo para salvar a namorada. Com aquela capacidade extraordinária do Caetano de narrar um filme com todos os detalhes, você vê melhor o filme ouvindo a narrativa dele do que vendo o filme... Então eu vi o filme. Conversa vai, conversa vem, fomos dormir. Mas eu não dormi. Estava impregnado da imagem do Super-Homem fazendo a Terra voltar por causa da mulher. Com essa idéia fixa na cabeça, levantei, acendi a luz, peguei o violão, o caderno, e comecei. Uma hora depois a canção estava lá, completa. No dia seguinte a mostrei ao Caetano; ele ficou contente: 'Que linda!' E eu viajei para os Estados Unidos. Fiz a excursão toda e, só quando cheguei a Los Angeles, um mês e tanto depois, para gravar o disco, foi que eu vi o filme. Durante a gravação, uma amiga americana, Olenka Wallac, que morava em Los Angeles na ocasião, me levou para ver.
A canção foi feita portanto com base na narrativa do Caetano. Como era Super-Homem - o filme, ficou Super-Homem - a canção; não tinha certeza se ia manter esse título ao publicá-la, mas mantive.

A porção mulher
Muita gente confundia essa música como apologia ao homossexualismo, e ela é o contrário. O que ela tem, de certa forma, é sem dúvida uma insinuação de androginia, um tema que me interessava muito na ocasião - me interessava revelar esse embricamento entre homem e mulher, o feminino como complementação do masculino e vice-versa, masculino e feminino como duas qualidades essenciais ao ser humano. Eu tinha feito “Pai e Mãe” antes, já abordara a questão, mais explicitamente da posição de ver o filho como o resultado do pai e da mãe. Em Super-Homem - a canção, a idéia central é de que pai é mãe, ou seja, todo homem é mulher (e toda mulher é homem)."

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