Já que o assunto é cinema, nesta sexta-feira (24) estréia no Rio de Janeiro e São Paulo, o documentário Coração Vagabundo. O filme, rodado nos Estados Unidos, Japão e Brasil - sobretudo em São Paulo - cobre a turnê do show A Foreing Sound, de Caetano Veloso, que gravou CD com clássicos da música americana. O ESTADÃO acaba de postar reportagem fresquinha sobre o filme de Fernando Grostein Andrade, que aproveito e coloco também aqui para os argonautas da vanguarda.
DOCUMENTÁRIO ACOMPANHA VIAGEM MUSICAL DO MANO CAETANO
Alysson Oliveira
SÃO PAULO - "Coração Vagabundo", um documentário que se propõe a ser "uma viagem musical com Caetano Veloso", abre com a tela em negro e um letreiro explicando que em 1968, o músico foi vaiado durante uma apresentação de "É Proibido Proibir" num festival.
No áudio, ouve-se o som original da época: o cantor discutindo com o público e dizendo que eles não entendiam nada. Sua voz é quase encoberta ao som de tantas vaias. Dessa abertura, o diretor corta para o presente, quando, num quarto de hotel, Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano e produtora do filme, "chama" a câmera para segui-la e abre a porta do banheiro, onde o músico está nu, tomando banho. Certamente, o diretor Fernando Grostein Andrade queria que essa nudez fosse tanto real quanto metafórica para seu documentário, que estreia em São Paulo e no Rio. Mas não é bem isso o que se vê na tela. Por mais que a câmera o acompanhe incessantemente durante a turnê americana e japonesa para a divulgação do disco "A Foreign Sound", o filme se ressente da falta de foco ao longo de seus 60 minutos. Ninguém espera que um documentário tão curto desvende a alma e a obra de seu retratado, mas um pouco mais de profundidade não faria mal algum a "Coração Vagabundo". O Caetano contestador, que bate boca com o público para defender sua música, está apenas na memória registrada na abertura do filme. Agora, "Coração Vagabundo" mostra que ele é um sujeito pacato, que sorri e interage com japoneses pelas ruas de Tóquio ou na porta de um templo budista. A sombra do Caetano de 1968 é projetada muito discretamente, quando perguntado sobre uma polêmica envolvendo o músico Hermeto Pascoal e os elogios do baiano para a música norte-americana que, segundo ele, "é a melhor do mundo". O que há de melhor em "Coração Vagabundo" são as cenas do show de Caetano, quando canta músicas como "Terra", com arranjos diferentes dos originais. As apresentações em Nova York, Tóquio e Kyoto são cercadas de uma aura de glamour - mas não há um contraponto de como foi essa mesma turnê no Brasil. Nos bastidores, Caetano é tietado por brasileiros ilustres no estrangeiro, como Gisele Bündchen, e outros famosos no país, como a atriz Regina Casé. A proposta declarada de Grostein Andrade era fazer um documentário intimista, um retrato quase em primeira pessoa do músico. Mas não se pode esquecer que a produtora do filme é a ex-mulher de Caetano, Paula Lavigne, e que o fim do casamento aconteceu durante as filmagens. A câmera flagra alguns episódios dessa separação, como o músico pedindo o telefone de Gisele Bündchen, numa possível brincadeira, embora comentários dela deem margem a dúvidas. Entre os entrevistados, aparecem os fãs internacionais do músico, como David Byrne e o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, que passa mais tempo elogiando a produtora Paula Lavigne do que comentando sua relação com Caetano - que aparece numa cena de seu longa "Fale Com Ela" (2002). Ao contrário de dois documentários recentes sobre músicos, "Loki - Arnaldo Baptista" e "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei", que se aprofundam em seus personagens, "Coração Vagabundo" é quase um filme institucional. Nele, o que vemos na tela é o Caetano Veloso que todos conhecem, sem muito acrescentar à imagem do mito que carrega e do qual parece não querer se despir.
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