segunda-feira, 10 de agosto de 2009

GRANDES ENTREVISTAS: FERNANDA TAKAI


FERNANDA TAKAI: "EU NASCI NA SERRA DO NAVIO"

Aroldo Pedrosa

A vocalista do Pato Fu, Fernanda Takai é amapaense e isso ninguém tasca! Embora vivendo na Belo Horizonte do Clube da Esquina há aproximadamente três décadas, quando lhe perguntam do seu lugar de origem, tem sempre a verdade absoluta na ponta da língua: “Eu nasci na Serra do Navio”. Casada com o músico, compositor e arranjador da banda, John Ulhoa, com quem tem a doce e pequena Nina, hoje, depois de alcançar os primeiros 15 anos de estrada e fama com o Pato Fu, a estrela do pop rock vive uma experiência nova na carreira ao gravar o trabalho solo Onde Brilhem Os Olhos Seus, com um repertório de canções fantásticas que ficaram marcadas para sempre na voz de Nara Leão. Foi o produtor Nelson Motta – ele faz a apresentação do disco – quem viu em Takai semelhanças surpreendentemente plausíveis com a musa da Bossa Nova. E sem saber sequer que as canções de Nara embalaram o sonho de Takai criança, quando ela ainda, entre duendes e fadas, morava na floresta.
Navegando pela internet num desses fins de semana prolongado, descobri Fernanda Takai na cidade paulista de Araraquara. Por e-mail, ela me contou um pouquinho de sua bela e envolvente história.

Vanguarda: Vamos começar pela história dos teus pais, que vieram trabalhar no Amapá por algum tempo.
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Fernanda Takai: O meu pai – já falecido – era geólogo, de São Paulo, e a minha mãe, enfermeira, alagoana de Maceió. O meu pai trabalhava com pesquisas iniciais de minério. Ao concluir as pesquisas, mudava-se sempre, por isso não ficamos por muito tempo no Amapá. Quando saímos da Serra do Navio, fomos pra Bahia e depois Minas Gerais.
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Vanguarda: Uma coisa curiosa que observamos daqui é essa atitude super-bacana de assumires ter nascido na Serra do Navio – embora tenhas saído de lá com dois anos apenas. Na revista BRAVO!, por exemplo, está escrito: “A amapaense Fernanda Takai”. Que espécie de sentimento é esse que – Por mais distante/ O errante navegante... – te remete lindamente ao teu estado de origem?
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Fernanda Takai: Eu tenho uma memória fotográfica muito forte da Serra do Navio. Meu pai costumava passar slides todos os fins de semana em casa e sempre havia muita coisa da Serra. Percebi que foi uma época muito feliz pros meus pais. Eles foram recém-formados pra trabalhar numa grande companhia mineradora, sem os parentes por perto. Fizeram boas amizades no Amapá e aí formaram essa nossa família. Talvez eu também me achasse uma estrangeira em todos os lugares que morei depois da Serra do Navio e fizesse questão de dizer como escrevi numa canção: "Olha, não sou daqui...". Hoje sou uma mineira honorária, gosto muito do Estado e represento a cena cultural de lá, mas quando me perguntam onde nasci, conto simplesmente a verdade.
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Vanguarda: E a relação com a música, Fernanda, começa a partir de quando?
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Fernanda Takai: O comecinho mesmo foi com o que os meus pais escutavam. Na época, eu me lembro, eles ouviam muito Nara Leão, Clara Nunes... E isso, claro, ajudou a amadurecer os meus ouvidos. Se os pais ouvem coisas boas, é natural que se tenha uma boa formação.
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Vanguarda: Quando o Pato Fu surgiu fizeram muitas comparações com Os Mutantes. A banda tropicalista exerceu influência sobre o trabalho de vocês no início da carreira?
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Fernanda Takai: Influência direta, não. Creio que tivemos algo meio parecido no final. Os Mutantes tinham essa coisa de fazer músicas muito diferentes, dentro de um mesmo disco, e de cantar em outras línguas. E isso é uma coisa que temos até hoje, de fazer músicas variadas em um disco só. Mas a nossa maior influência veio das bandas brasileiras e estrangeiras dos anos oitenta. Agora, ao sermos comparados a uma banda tão boa quanto Os Mutantes naquele início, pra nós foi um grande elogio. O que tentamos evitar, no entanto, era que os fãs dos Mutantes confundissem isso, de achar que gostaríamos de ser os novos Os Mutantes. Nunca tivemos essa pretensão. E, por uma virada do destino, hoje somos muito amigos do Arnaldo [Batista] e da Rita [Lee]. Eles gostam do nosso trabalho e reconhecem a identidade do Pato Fu no que fazemos.
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Vanguarda: Já estiveste – e eu estava no meio da multidão – com o Pato Fu se apresentando para o público amapaense, tendo como cenário as muralhas da Fortaleza de São José de Macapá. Como foi a experiência de cantar e se encontrar, depois de mais de trinta anos, no lugar onde de fato nasceste?
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Fernanda Takai: Foi emocionante porque o público e a organização do evento pareciam muito felizes em me ter ali. Eu também me senti realizada em poder voltar ao estado onde nasci de uma forma tão prestigiosa e num lugar tão lindo. Quero voltar mais vezes. E quero ir a Serra do Navio, de preferência com a minha mãe pra me contar mais histórias de lá.
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Vanguarda: “Onde Brilhem Os Olhos Seus”, permita-me: é uma delicada obra-prima contemporânea da canção brasileira! Cantar Nara Leão até então ninguém tinha ousado, e a tua interpretação em canções emblemáticas como “Diz que fui por aí”, “Odeon”, “Insensatez”, “Com açúcar, com afeto”, “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos” e, sobretudo, “Lindonéia” – dos tropicalistas Caetano e Gil – é manifesto puro e inconteste de que o novo rigorosamente nem sempre precisa ser inédito. A propósito, além dos olhos teus e do eterno mutante Nelson Motta, de onde mais vieram esses raios?
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Fernanda Takai: Sem dúvida o trabalho de arranjos do John [Ulhoa] e do Lulu [Camargo] são primorosos. Eles construíram com muita elegância e bom gosto essa base musical para que eu pudesse ter espaço pra cantar e interpretar do meu jeito, um repertório tão conhecido. Nós três gravamos o álbum todo sozinhos. Não havia nem assistente de estúdio. John gravou e mixou tudo. Eu gravei todas as vozes e Lulu e John tocaram todos os instrumentos. Acho que encontramos uma forma muito leve de trabalhar. Isso tudo aconteceu nos intervalos das gravações do disco "Daqui Pro Futuro", do Pato Fu. Acho que “despretensão” é a palavra que mais acompanhou todo esse processo.
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Vanguarda: A Bossa Nova está completando 50 anos e a Tropicália 40 – em julho faz aniversário o disco-manifesto, onde Nara Leão gravou “Lindonéia”. “Onde Brilhem Os Olhos Seus” é homenagem também aos dois movimentos?
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Fernanda Takai: Quando a gente começou a fazer o disco, em dezembro de 2006, não tinha essa lembrança dos 50 anos da Bossa Nova e muito menos dos 40 anos da Tropicália. Foi uma grande coincidência. Talvez se tudo tivesse sido tão planejado assim, não teria a mesma fluidez. Digo que esse disco encontrou muitas portas abertas porque a gente o fez pela música, por Nara e pela possibilidade que havia do público me conhecer mais como intérprete, mesmo depois de 15 anos de carreira.
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Vanguarda:
Gilberto Gil esteve recentemente em Macapá como ministro da Cultura. Eu queria a tua opinião sobre o desempenho de Gil no Ministério da Cultura.
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Fernanda Takai: Sou muito fã do Gil, acho que ele é uma pessoa de caráter, extremamente talentoso e um homem de bem. Talvez seja ainda mais fã do artista do que do ministro, mas isso não diminui em nada a admiração que tenho por ele. Ocupar um cargo dessa magnitude por tanto tempo não é fácil. Há momentos em que algumas decisões são tomadas a favor de uma suposta coletividade que a gente não entende muito bem e nem sempre concorda com os processos. Mas eu fiquei feliz em ter alguém como ele representando a nossa cultura.
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Vanguarda: Nós temos um projeto, A Caravana da Vanguarda no Planeta Amapari, pra te trazer ao Amapá em breve, e, numa viagem de trem, entre curumins com a bunda exposta na janela, te levar até a Serra. E depois de chegar lá, com o auxílio de um bom guia Waiãpi, te apresentar o lugar belo e preciso onde nasceu uma estrela. Esse lugar tem ao redor a densa floresta serrana onde habita o Brilho de Fogo – o raríssimo beija-flor (descoberto pelo cientista-ambientalista Augusto Ruschi) que iluminou, no desfile da campeoníssima Beija-Flor de Nilópolis, o Sambódromo. O que me dizes, baby, dessa idéia? Topas?!
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Fernanda Takai: A idéia é ótima. Posso levar a minha mãe? E a minha filha Nina de 4 anos? Resta achar um intervalo na minha agenda este ano, que tem duas turnês em andamento, mais divulgação de livro, gravação de DVD, viagens a Portugal e Japão... Vamos tentar!
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Vanguarda: A nossa revista está de aniversário – são cinco anos. Tim-tim!
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Fernanda Takai: Kampai! Que venham muitos anos mais!

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