quarta-feira, 13 de maio de 2009

UMA BOA PITADA DE TROPICÁLIA

O que você vai ler a seguir é apenas um fragmento de uma grande reportagem sobre a cultura brasileira, publicada em 2003 na revista americana Wired, assinada pelo jornalista – também americano – Julian Dibber. Bom paladar!

Em 1556, não muito depois de os portugueses pisarem pela primeira vez no Brasil, o bispo Pero Fernandes Sardinha naufragou em uma praia e começou a introduzir o Evangelho de Cristo para os “pagãos” nativos. Os moradores locais, impressionados com a gloriosa civilização que o bispo representava e ansiosos em absorvê-la em sua totalidade, prontamente o devoraram.
Assim nasceu a cultura brasileira. Ou assim escreveu o poeta modernista brasileiro Oswald de Andrade, cuja interpretação do incidente em um manifesto de 1928 exaltou os canibais como modelos simbólicos a serem seguidos por todos os praticantes culturais do seu país. Quatro décadas depois seu argumento inspirou um par de estrelas do pop hipereloqüentes chamadas Caetano Veloso e Gilberto Gil. Veloso e Gil formaram o núcleo do tropicalismo – uma tentativa bem anos 60 de tentar capturar o sentimento caótico e tortuoso da modernização lenta e desigual do Brasil, sua desordem de riqueza e pobreza, de rural e urbano, de local e global. Para os tropicalistas, assim como para Andrade, havia só uma receita para prosperar no meio de tanto contraste: você não pode recuar em frente ao que lhe é estranho. Você não pode, tampouco, imitá-lo inconscientemente. Você simplesmente deve engoli-lo por completo.
O que isso significou, na prática, foi uma abordagem musical que virou a silenciosa e sofisticada bossa nova do começo dos anos 60 de cabeça para baixo, abrindo sua boca faminta para todo e qualquer tipo de influência, incluindo a forma pop menos brasileira, o rock. O tropicalismo, como Veloso o coloca, “foi um pouco chocante. Nós viemos com coisas novas que envolviam guitarras, poesia violenta, mau gosto, música tradicional brasileira, missa católica, pop, kitsch, tango, coisas caribenhas, rock-and-roll e também nossa música de vanguarda, a chamada ‘música séria’”. Eles cortaram e colaram estilos com uma liberdade que, para a cena musical sampleada de hoje, soa atualíssima – e que é a maior razão para que os primeiros discos tropicalistas tenham, nos últimos dez anos, se tornado clássicos dos moderninhos nos Estados Unidos e na Europa.

3 comentários:

Ricardo T. D'Almeida disse...

muito bom o texto haroldo!
a antropofagia é relmente uma coisa bem forte, bem intensa. Faz muito sentido pensar no mudo construído assim deste modo. O ser humano "comendo" o outro, absorvendo os as palavras, gestos, ideias, etc. e com este material (que vem de todos os lados) construir o proprio ser. Um ser formado de "tijolos" vindos de outros seres, de outros seres que jogaram seu sangue em livros, músicas, poesia, pinturas e todas as formas de arte, tecnologia e cultura.
hoje chamam isto de "influencias", penso.
abraços.

Ricardo T. D'Almeida disse...

ah! o texto estava uma delícia. hehehe

Editorial disse...

Muito obrigado, Ricardo! A proposta deste NAVEGANDO NA VANGUARDA é exatamente esta: provocar os argonautas do universo da internet por um passeio entre os trópicos, afinal, eu, particularmente, nasci aqui na capital do Amapá, por onde passa a linha imaginária que divide o mundo, ou seja, a Linha do Equador - o ponto equidistante entre o trópico de Capricórnio e o trópico de Câncer. Tem uma canção que o antropofágico Caetano fala disso. Abraços vanguardistas!