segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

ARTIGO CIENTÍFICO

A BAHIA E O RIO: ITINERÁRIO DO SAMBA POR CAETANO VELOSO
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Roncalli Dantas Pinheiro/UFPB
Orientador: Amador Ribeiro Neto/UFPB
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O presente trabalho tem como objetivo fazer uma leitura da letra da canção Onde o rio é mais baiano, inserida no disco Livro (1997), de Caetano Veloso, partindo da teoria da composição de canções, em que Luiz Tatit (2003) estabelece elementos sensitivos de iconização na dicção de Caetano. Buscaremos identificar os mecanismos que fazem desta letra uma produção icônica que se estabelece a partir do cruzamento das linguagens musical e literária, sugerindo a conexão mítica que o samba estabelece entre a Bahia e o Rio de Janeiro na estrutura dessa canção.
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Em Onde o Rio é mais baiano, Caetano provoca deslocamentos espaciais entre a Bahia e o Rio através de um espelho em que a imagem da Bahia é sobreposta à do Rio de Janeiro, sob aspectos culturais, permitindo a transitoriedade tanto textual quanto dos elementos rítmicos e musicais devido à simetria icônica, invertida e reflexa entre as duas cidades.
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A primeira estrofe inicia-se em terceira pessoa, imprimindo à canção um caráter de veracidade no argumento de unidade, que é ratificado por considerações mitológicas, citando o caso da migração das Ciatas da Bahia para o Rio em contraponto com a viagem de Jamelão do Rio de Janeiro ao Rio Vermelho, em Salvador. As aproximações são também construídas no interior da estrofe, em que a estação primeira do Brasil se confunde com a Estação Primeira de Mangueira, construindo o amálgama Bahia/Mangueira/Rio.
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Na segunda estrofe o Eu-lírico transpõe efetivamente o espelho e se desloca, em primeira pessoa, entre as duas cidades. A transposição é efetuada imageticamente pelos cruzamentos dos elementos Rio Vermelho, em Salvador, simétrico à Mangueira, no Rio de Janeiro. Jamelão faz a simetria com o Eu-lírico da canção de Caetano, sugerindo a imagem da Mangueira na avenida e oferecendo seu equivalente na Bahia, que ocorre no dia 2 de fevereiro na festa de Iemanjá.
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A simetria invertida também é estabelecida quanto aos elementos melódicos. Toda a primeira parte está em tonalidade menor, cadenciado pelo samba com predominância dos prolongamentos das vogais, principalmente da vogal “i” evidenciando a passionalização contida no reconhecimento da própria identidade cultural, a partir do outro. Logo em seguida, coincidindo com a segunda estrofe, a melodia passa à tonalidade maior e o ritmo, que era cadenciado pelo samba, passa a ser o samba reggae com predomínio dos ataques consonantais, de andamento mais dinâmico, enfatizando a atitude ativa do Eu-lírico, que transpõe, migra e retorna em um vai-e-vem através dos elementos já citados.
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ONDE O RIO É MAIS BAIANO
Caetano Veloso
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A Bahia
Estação primeira do Brasil
Ao ver a Mangueira nela inteira se viu
Exibiu-se sua face verdadeira
Que alegria
Não ter sido em vão que ela expediu
As Ciatas pra trazerem o samba pra o Rio
(Pois o mito surgiu dessa maneira)
E agora estamos aqui
Do outro lado do espelho
Com o coração na mão
Pensando em Jamelão no Rio Vermelho
Todo ano, todo ano
Na festa de Iemanjá
Presente no dois de fevereiro
Nós aqui e ele lá
Isso é a confirmação de que a Mangueira
É onde o Rio é mais baiano

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