segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

RETROSPECTIVA CARNAVAL AMAPAENSE 2010

O articulista entre o sambista Neck e o rei-momo Sucuriju
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Amanhã, 23, vamos postar aqui as imagens que marcaram o Carnaval Amapaense 2010, e, sobretudo, os eventos que realizamos durante a quadra momesca: NO CARNAVAL DAS ÁGUAS, TU FUCU PRA MIM? e o CARNAVAL DAS ÁGUAS NO CARINHOSO. Mostraremos também imagens hilárias de A BANDA.
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A chuva tá caindo
E quando a chuva começa
Eu acabo de perder a cabeça...

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

PSEUDO-INTELECTUAL DE MIOLO MOLE


CULT: O que você achou da repercussão crítica do livro O mundo não é chato? Você acha que há uma espécie de resistência oficial ao seu pensamento crítico? Uma espécie de correlato do velho problema que certos discursos eruditos e acadêmicos têm em relação à legitimação do vigor, da radicalidade, da inventividade e do caráter crítico da canção popular? Quando você lançou o filme O cinema falado houve uma resitência prévia ao filme, que revela, necessariamente, um fisiologismo de defesa do território. Você acha que, assim como alguns cineastas não lhe deram o direito de fazer um filme, há forças intelectuais no Brasil que não lhe dão o direito de exercer a prosa crítica?
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Caetano Veloso: Ninguém me tira o direito, não. Ninguém me impede de publicar. Mas também eu não tenho a ambição de publicar textos críticos. A primeira vez foi em Alegria, alegria - coletânea de textos dispersos e publicados entre 1966 e 1976, organizada por Waly Salomão - que eu ouvi esse mesmo tom de desprezo. Mas não fico frustrado, não espero muito. Agora, isso que você descreveu quando falou de O cinema falado é verdade. Isso acontece comigo e continua acontecendo, talvez seja a razão porque não há a atenção que você desejaria a um livro como O mundo não é chato. Eu nem prestei muita atenção à repercussão que teve esse livro... Verdade tropical, sim, mas porque tinha acabado de escrever e quis saber o que as pessoas falavam. Tem coisas muito chatas também. A Folha de S. Paulo fez todo um número da Ilustrada ou do Mais!, não me lembro, todo para criar problemas com o livro. Não para uma apreciação remotamente razoável. Era um negócio programaticamente chato. E acho que se deve a isso mesmo que você descreveu: resentimento. Mas, por outro lado, não acho que seja isso. Acho que há desinteresse genuíno. Não sou um sujeito preparado pra isso. Não me preparei nem estou me preparando para ser um ensaísta. Eu me lembro que, quem primeiro falou contra isso de uma maneira contundente e que me impressionou muito bem, foi o José Guilherme Merquior.
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CULT: Ele disse que você é um "pseudo-intelectual de miolo mole"...
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Caetano Veloso: Eu adoro "pseudo-intelectual de miolo mole"[risos]. Ele, Merquior, foi o primeiro que explicitou a questão tão honestamente, defendendo o território. Eu concedi uma entrevista a IstoÉ, na qual fiz uma brincadeira sobre ele, que acabara de sair numa revista posando no meio de livros. Era gozado, porque ele falava mal de Freud e da psicanálise dizendo que não valem nada. Eu disse que destestei aquilo porque ele estava falando mal de narcisismo e ficava posando no meio de livros como um pop star. Ele levou isso como se eu estivesse dizendo que os ensaístas estavam querendo tomar o meu lugar. Fez uma inversão inteligente. Bem sacada, de polemista experimentado. Merquior não era bom crítico literário. Quando conheci o Augusto e o Haroldo de Campos, li tantos artigos maravilhosos deles, que percebi que José Guilherme, do ponto de vista de apreciação literária, deixava a desejar. Mas eu não sou um Roberto Schwarz. Não me preparei pra isso. Passo a maior parte do meu tempo em uma vida frívola de compositor de música popular. Fico no estúdio com colegas cantando, tocando, volto pra casa pra ver a música e tenho que relembrar. Posso captar uma harmonia com certa dificuldade, mas posso. Depois de algum tempo, esqueço. Minha acuidade musical não é muito forte, então tenho que me debruçar um pouquinho sobre canções. Por exemplo, eu quero cantar "Moon river" no show de abertura da exposição de Pedro Almodóvar em Paris, entre outras canções que tive que tirar. Umas são mais fáceis. "Ne me quitte pas", acho uma harmonia chata de tirar, feia. Mas "Mooon river" queria tirar. Fiquei muitas horas perdendo ou ganhando meu tempo para cantar a música. "Moon river" não pode ser comparada com Ulisses, de James Joyce. Entende, eu não tenho tempo de estudar nem Derrida, Kant ou Proust. Não que não os tenha lido, li alguma coisa de todos eles, mas não posso me dedicar a isso.
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CULT: A erudição também não é uma condição fundamental...
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Caetano Veloso: Sim, mas o cara que se prepara para isso e vive concentrado nisso é mais capaz. Não me sinto assim. Sou aquele personagem "pseudo-intelecutal de miolo mole", mas ao mesmo tempo consigo cantar. Tenho canções que fazem sucesso, outras nem tanto, mas não são irrelevantes. Minha opinião sobre mim é essa. Juro por Deus... Eu não acredito em Deus [risos].

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

CARNAVAL DE VERDADE NO CARINHOSO


CARNAVAL DAS ÁGUAS NO LUGAR DA CHUVA
Aroldo Pedrosa/ Orivaldo Fonseca
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Água que rola
Em nossa festa é carnaval
Às margens desse rio transcendental
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(Vai se abrir!)
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Vai se abrir...
Na passarela um veio de água clara
Da perna, na batata, dourada da mulata
Descendo pela fonte, aberta em chafariz
Vai banhar-se...
N’água da fonte o rio dos rios, ó flor-de-lis!
Pra se livrar do mal em si
Despoluir...
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(As águas vão rolar)
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Água que rola
Em nossa festa é carnaval
Às margens desse rio transcendental
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(Oi, Tu Fucu!)
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Oi, Tu Fucu...
Em fins de julho sopra aquele sururu
Que vem feito uma tromba d’água
Molhando a genitália do índio Surucucu
Ei, seu guarda!...
O pau na mata tá que tá que tá que é brasa
Apaga essa fornalha, derrama o H²O
E vem sambar sem dó na chuva
Que nem naquele filme “Cantando no Toró”
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Na nossa escola todo mundo é bamba
Na nossa escola branco também samba
Na nossa escola só não brinca quem não quer
Na avenida a água deita e rola
Desliza nas cascatas do corpo da mulher
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Macapá!...
Cidade jóia e preciosa vem sambar
Pois água mole em pedra que é dura
Bate que pula pra cintilar
Suor ou água no corpo dessa gente
Corre contente vendo o Carnaval chegar
Jorra água de cheiro que o povo quer cantar
Vem vem que vem molhar
Tristeza aqui não é teu lugar
Pois água regue a vida e não se canse de sambar
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Água que rola
Em nossa festa é carnaval
Às margens desse rio transcendental

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

ESQUENTANDO OS TAMBORINS II


Aroldo Pedrosa
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No comecinho do mês de dezembro de 2009, quando realizei, no SESC Centro, o show-manifesto Tropicália na Linha do Equador (foram três apresentações em 2009), nasceu a ideia do projeto DESDE QUE O SAMBA É SAMBA É ASSIM – show musical contando um pouco da história do samba, a partir de clássicos que compõem e, sobretudo, enriquecem o Universo da Música Popular Brasileira. Clássicos como “Aquarela do Brasil” (Ary Barroso), “Com que roupa” (Noel Rosa), “A sorri - o sol nascerá” (Cartola), “Chega de Saudade” (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes), “Tudo se transformou” (Paulinho da Viola) e “Incompatibilidade de gênios” (João Bosco/ Aldir Blanc), entre outros, cujo repertório está aí abaixo.
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Cantar um pouco desse Universo me vem pela história que o Amapá tem com a cultura negra. Afinal, o batuque e o marabaixo são as nossas mais nobres e expressivas manifestações culturais e - o que é mais importante – são oriundas também da mãe-África, tendo, portanto, irmandade com o samba. E foi buscando e encontrando explicações para a origem de tudo isso que aumentou mais ainda o meu entusiasmo de produzir DESDE QUE O SAMBA É SAMBA É ASSIM.
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O Amapá tem tradição de samba. Basta ver agremiações carnavalescas como Boêmios do Laguinho e Maracatu da Favela, que já ultrapassam meio século de fundação. Quando o carnavalesco Joãosinho Trinta veio ao Amapá, em fins dos anos 1990 a convite do governo do estado para a festa de inauguração do Sambódromo, ele observou isso. São 13 anos só da era Sambódromo, e agora o Carnaval amapaense vai ganhar do atual governo a Cidade do Samba – evidentemente que esse revezamento se dá pelo fato da Beija-Flor de Nilópolis ter conquistado o bicampeonato do Carnaval do Rio de Janeiro de 2008 com o enredo “Macapaba, Equinócio Solar, Viagens Fantásticas ao Meio do Mundo”, valorizando mais ainda o Carnaval do meio do mundo. Então é visando ampliar cada vez mais a ressonância da nobreza do nosso samba que nasce DESDE QUE O SAMBA É SAMBA É ASSIM. E para executá-lo convoquei os maiores músicos do Amapá para compor a banda base:
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Dilean Monper: direção musical, teclados e violão
Calibre: baixo
Del Gonçalves: bateria
Wesley Sampaio: flauta
Huan: percussão
Aritiene Dias: sax
Jorge Luís: trompete
Antônio Carlos: trombone
Ceará da Cuíca: cuíca (participação especial)
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E para que o show tenha caráter coletivo e seja mais dinâmico, convidei artistas como Vicente Moura, Roni Moraes, Alan Bacelar, Neck, Ingrid Sato, Júlia Medeiros e Celine Guedes para interpretar comigo alguns dos clássicos selecionados e sambas que também compus ao longo desses anos como “A poesia das ruínas”, “Último enredo” e “O carnaval das águas”. A atriz Rosa Rente é convidada para fazermos, juntos, a poesia que emana do samba.
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Mas não é só isso. Para o encerramento pensei numa coisa apoteótica como pede, naturalmente, a efervescência do samba. DESDE QUE O SAMBA É SAMBA É ASSIM vai ter uma sequência de sambas-enredos campeões que, para garantir a boa qualidade na execução e interpretação dos mesmos, chamei (o samba - como diria o Paulinho da Viola – chama) a banda base da bateria da Escola de Samba Piratão e mais os puxadores PAULO CHUCRE, DOM ELÁDIO E SALGADINHO. Estes são convidados mais que especiais.
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É esta, portanto, a minha proposta para saudar os 252 Anos de Macapá e o Carnaval do Meio do Mundo.
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ROTEIRO MUSICAL
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01-AQUARELA DO BRASIL
Ary Barroso
02-DESDE QUE O SAMBA É SAMBA
Caetano Veloso
03-TUDO SE TRANSFORMOU
Paulinho da Viola
04-SAMBA DA BÊNÇÃO
Vinicius de Moraes/ Baden Powell
05- DISRITMIA
Martinho da Vila
06-AMANTE AMADO
Jorge Ben
07-ONDE O RIO É MAIS BAIANO
Caetano Veloso
08-ÚLTIMO ENREDO
Aroldo Pedrosa/ Joel Elias
09-A POESIA DAS RUÍNAS
Aroldo Pedrosa/ Dimisson Monper
10-CHEGA DE SAUDADE
Tom Jobim/ Vinicius de Moraes
11-EU QUERO É BOTAR MEU BLOCO NA RUA
Sérgio Sampaio
12-A SORRI (O SOL NASCERÁ)
Cartola
13-A ORDEM É SAMBA
Jackson do Pandeiro/ Severino Ramos
14-SAMBA DO GRANDE AMOR
Chico Buarque
15-FESTA IMODESTA
Caetano Veloso
16-COM QUE ROUPA
Noel Rosa
17-MERDA
Caetano Veloso
18-INCOMPATIBILIDADE DE GÊNIOS
João Bosco/ Aldir Blanc
19-ATRÁS DA VERDE-E-ROSA SÓ NÃO VAI QUEM JÁ MORREU
David Corrêa/ Paulinho Carvalho/ Carlos Sena/ Bira Ponto
20-VAI PASSAR
Chico Buarque
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ENCERRAMENTO:
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01-CARNAVAL DAS ÁGUAS NO LUGAR DA CHUVA
Aroldo Pedrosa/ Orivaldo Fonseca

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

ESQUENTANDO OS TAMBORINS I


DESDE QUE O SAMBA É SAMBA É ASSIM
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Aroldo Pedrosa
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Algum tempo atrás tive ligeiro embate com o compositor/cantor amapaense Roni Moraes sobre a origem do samba. Eu argumentava baseado nas leituras que fiz (e não foram poucas) e na letra da canção de Caetano Veloso “Onde o Rio é mais baiano”, que o criador da Tropicália retribuíra à Mangueira, cujo enredo de 1994, “Atrás da verde-e-rosa só não vai quem já morreu”, homenageava os tropicalistas. E o embate com o Roni foi sobre “as Ciatas”, como está na letra do samba-reggae magistral de Caetano. Eu dizia que o samba nasceu na Bahia na região do recôncavo baiano, onde nascera Caetano – Santo Amaro da Purificação –, de onde as “tias Ciatas” o levaram (o samba) para o Rio de Janeiro. O poeta Vinicius de Moraes diz isso – que o samba nasceu na Bahia (ainda que não mencione as Ciatas) – em seu extraordinário “Samba da Bênção”, feito em parceria com Baden Powell e que eu costumo cantar na noite com o músico amapaense Chico Terra.
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Que o samba nasceu na Bahia não há o que contestar. A questão é quem realmente o levou para o Rio de Janeiro. Eu digo que não foi uma apenas, mas várias Ciatas, como na letra de "Onde o Rio é mais baiano", cujo famoso compositor escreve com muita propriedade. A ala das baianas, quesito obrigatório no desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, é homenagem mais do que justa a elas – as Ciatas.
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Como convidado da 1ª Conferência Livre de Comunicação para a Cultura, realizada em Recife (PE) e organizada pelo Ministério da Cultura-MinC, conheci o presidente do Pontão de Cultura Casa do Samba, Rosildo Rosário, lá de Santo Amaro da Purificação, e ganhei dele o maravilhoso CD “Samba de Roda – Suspiro do Iguape”, com 14 sambas de raiz, talvez, entre eles, os primeiros da história do samba. É um disco precioso que tenho ouvido muito e, a cada audição, percebido o quanto eles se parecem com o nosso “batuque”, que também veio da África, trazido pelos escravos (outra semelhança plausível são os chamados “tambores-de-crioula” do Maranhão). O samba da Bahia tem denominação de “samba de roda”, e Caetano, por ter nascido na região onde nasceu o samba, é um especialista no assunto. O último samba de roda dele é “13 de Maio” (Dia 13 de maio em Santo Amaro/ Na Praça do Mercado/ Os pretos celebravam/ (Talvez hoje inda o façam)/ O fim da escravidão/ Da escravidão/ O fim da escravidão), e outro que amo de paixão – “Boas-vindas” –, porque cantarolava para o meu filhinho Glauber Caetano ao nascer: Sua mãe e eu/ Seu irmão e eu/ E a mãe do seu irmão/ Minha mãe e eu/ Meus irmãos e eu/ E os pais da sua mãe/ E a irmã da sua mãe/ Lhe damos as boas-vindas/ Boas-vindas/ Boas-vindas/ Venha conhecer a vida... E por aí vai, com o toque sutil da saudosa Edith do Prato na percussão. Edith, irmã de Nicinha que é filha de criação de Dona Canô, a mãe centenária da Tropicália.
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Como acabamos de entrar no ano de 2010 e fevereiro é o mês do Carnaval, nada mais oportuno para dissertar sobre a origem do gênero musical que mais identifica o Brasil culturalmente e o divulga pelo mundo afora. O Amapá mesmo, que o então presidente da França Jacques Chirac, ao se encontrar com o presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, em 1998, às margens do rio Oiapoque para selar o acordo de construção da ponte binacional que vai ligar o estado a Guiana Francesa, achando que estava em território mexicano e, numa mancada internacional, chamou o Brasil de México. Se o encontro fosse hoje, depois naturalmente em que a Beija-Flor de Nilópolis levou para o Sambódromo do Rio de Janeiro a natureza exuberante do Amapá como enredo e ganhou o Carnaval de 2008, Chirac – assim como o atual presidente francês Sarcozy o fez recentemente ao lado de Lula – saberia que pisava em solo brasilis, que pisava num pedacinho da terra do samba, evitando o deslize internacional. Ora, mas pior do que isso, em um passado recentíssimo, era ouvir o mundo quase todo dizer que Buenos Aires era a capital do Brasil – não havia nada mais ofensivo pra nós que “mui amamos a Argentina”, sobretudo quando o assunto é futebol. Erros, equívocos, deslizes, mancadas, enfim... bem maiores, por exemplo, que pensar a África, em detrimento da Ásia, como o maior continente do planeta. Equívoco este que o compositor de “Onde o Rio é mais baiano” cometeu, numa madrugada, digitando em seu blog Obra em Progresso e imediatamente corrigido por um internauta mais atento. Os gênios, por serem naturalmente sempre tão inventivos, são bonitos até quando erram, como Caetano ao manter no blog a postagem da correção. Mas, convenhamos, trata-se de um erro comum que as pessoas cometem. Sinceramente, eu – que detesto confessar minha ignorância – só vim saber que o continente asiático é o maior de todos, depois que a escritora e jornalista Lulih Rojanski me trouxe a informação (como quem faz um gol) da ignorância geográfica do mestre tropicalista. E o Caetano que nem é chefe de estado e tampouco estava em viagem oficial pelo continente em que Pelé faz força com o pé. Em “Onde o Rio é mais baiano”, entretanto, no verso em que ele canta a história da origem do samba, o samba do recôncavo levado pelas tias baianas – as Ciatas –, que migraram para a cidade do Rio de Janeiro e lá o difundiram pelos quatro ventos, se tivesse errado, a imprensa implacável deste “meu Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro...” não o perdoaria, jamais! Mas, não... até porque antes ele também compusera – a pedido de Aracy de Almeida – “A voz do morto”: Estamos aqui no tablado/ Feito de ouro e prata/ E filó de nylon/ Eles querem salvar as glórias nacionais/ As glórias nacionais, coitados... Um samba monumental em que Caetano evoca na letra ser o próprio e cujo verso principal é um grande viva ao compositor Paulinho da Viola. E “Sampa” – Alguma coisa acontece no meu coração/ Que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João... –, alguém por acaso fez homenagem igual a São Paulo? E “Desde que o samba é samba”, que Caetano canta “a lágrima clara sobre a pele escura”, comparando “a noite à chuva que cai lá fora”? São virtuosos sambas, que o próprio Chico Buarque de Holanda – carioca e especialista no gênero – se rendeu para gravar um deles, “Festa Imodesta”, em homenagem “àquele que se presta a esta ocupação”, ou seja, o compositor popular. Obra de quem realmente é do berço e emana do samba:
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FESTA IMODESTA
Caetano Veloso
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Numa festa imodesta como esta
Vamos homenagear
Todo aquele que nos empresta a sua testa
Construindo coisas pra se cantar
tudo aquilo que o malandro pronuncia
E o otário silencia
Numa festa que se dá ou não se dá
Passa pela fresta da cesta e resta a vida
Ah! Acima do coração
Que sofre com a razão
A razão que vota no coração
E acima da razão a rima
E acima da rima a nota da canção
Bemol, natural, sustenida no ar
Viva aquele que se presta a esta ocupação
Salve o compositor popular!
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Procurando no Google mais subsídios para ampliar o conteúdo e ressonância deste artigo, encontrei algo que me parece com as pesquisas do dicionarista Luiz da Câmara Cascudo – na minha adolescência eu tinha um dicionário desse pesquisador da cultura brasileira com quem aprendi uma porção de coisas. Diz o texto do Google:
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“Um dos terreiros mais famosos de que se tem notícia era o terreiro da Tia Ciata, uma das muitas baianas que migraram para o Rio de Janeiro, trazendo suas magias, orixás, comidas e muito axé. E estas valentes senhoras eram perseguidas por dois motivos: pelo culto do candomblé, que na visão das autoridades da época era algo profano, ou pelo culto do samba. Numa época em que os sambistas eram considerados um bando de marginais e desordeiros, a perseguição era implacável. Mas como tudo que é proibido e perseguido, na maioria das vezes, vira moda, foi daí que por este Brasil afora, as tias Ciatas foram se multiplicando e o samba se agigantando e tomando forma (o samba tomou seu feitio no morro, veio para a sociedade e não parou por ai)”.
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No livro “Brasil Rito e Mito – Um Século de Música Popular e Clássica”, que a poeta Heluana Quintas me apresentou numa dessas noites de preguiça amazônica e chuva fina sobre a cidade, tem o artigo “Das raízes da MPB à chegada do samba”, assinado por Ricardo Cravo Albin, em que ele descreve com preciosismo o pioneirismo das tias Ciatas: “A mulata Hilária Batista de Almeida era dentre todas a mais cortejada”.
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Alguns trechos do grande artigo:
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“A população carioca mais pobre, especialmente a que descendia dos guetos da escravidão e que habitava os cortiços negros paupérrimos da zona da Cidade Nova e da Central do Brasil – a Praça Onze antiga era o coração, nas imediações de onde hoje está o Sambódromo –, continuava a exercitar-se em seus batuques e suas rodas de pernada e de capoeira. Eram, sobretudo, baianos e seus descendentes vindos desse estado com o fim da Guerra de Canudos, direito que ganharam por lutar nas tropas contrárias a Antônio Conselheiro”.
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“Essa parte da população não saía no Carnaval de forma organizada, mas em blocos desordenados cujos desfiles terminavam quase sempre em grandes brigas de capoeira e em terríveis ‘cenas de sangue’, segundo o cronista João do Rio. Aliás, atento à evoluções urbanísticas do Rio, o cronista fez um paralelo curioso entre a Praça Onze dos ex-escravos e a Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), inaugurada em 1902 e que ele considerava um traço de separação entre o Brasil passado e o novo: ‘A avenida chique/ Eu sou a Central/ Da elegância o tique/ Dou à capital’”.
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“Da música à base de percussão e de palmas, produzida por esses negros com o nome de batucada, iria nascer o gênero popular mais nacionalmente representativo da música brasileira: o samba, palavra de origem africana (Angola e Congo, provavelmente corruptela da palavra ‘semba’, que pode significar umbigada, ou seja, o encontro lascivo dos umbigos do homem e da mulher na dança do batuque antigo. Ou também pode significar tristeza, melancolia (quem sabe da terra africana natal, tal como o blues nos Estados Unidos). Aliás, a palavra samba foi grafada pela primeira vez em 3 de fevereiro de 1838, por frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, na revista pernambucana O Carapuceiro: nela, definia então mais um tipo de dança”.
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“Além dessas rodas de capoeira e de batucada, quase sempre realizadas nas ruas e praças das imediações, ficaram célebres os festejos nas casas das até hoje celebradas ‘tias baianas’. Eram elas, em geral, senhoras gordas e grandes quituteiras, que davam festas para comemorar as datas importantes do calendário do candomblé. Os festejos duravam até uma semana: os pagodes, justamente nas casas das tias baianas, ocorriam em dois tempos, segundo me informaram não só Donga e João da Baiana mas também Pixinguinha e Heitor dos Prazeres, todos frequentadores e – à exceção de Pixinga – filhos de mãe-de-santo. No fundo da casa, ocorria a devoção aos orixás, com toda a preservação do ritual das datas do candomblé. Acabadas as obrigações, os pagodes tinham lugar, mas já em outros cômodos, geralmente nas salas da frente dos cortiços decadentes ou dos sobradões abandonados pela burguesia, então em busca de novos bairros da moda, como Botafogo, Laranjeiras e Humaitá”.
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A “batucada”, levada da Bahia para o Rio de Janeiro, era o samba. Mas foi ali nas imediações da praça Onze, onde Brizola construiu o Sambódromo, que o samba se desenvolveu, inicialmente pelas mãos negras e mágicas de Donga que gravou o primeiro, “Pelo telefone” (O chefe da polícia pelo telefone mandou me avisar/ Que na carioca tem uma roleta para se jogar...). Depois João da Baiana, Pixinguinha e Heitor dos Prazeres foram ampliando a produção até chegar aos nossos dias. “Aquarela do Brasil”, do compositor mineiro Ary Barroso, tornou-se o mais famoso de todos ao ser ouvido por Walt Disney no sistema de som do aeroporto de Val-de-Cães, em Belém, numa escala de vôo do produtor de passagem pelo Brasil em meados dos anos 1940. Disney fez o filme “Você já foi a Bahia?”, misturando o desenho animado do personagem Zé Carioca (inspirado na malandragem famosa do Rio) com a imagem real da baiana Carmem Miranda e seus balangandãs, pondo na trilha o samba exaltação do Ary. A partir daí, impulsionado pela sofisticação da Bossa Nova inventada por João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, não deu outra, o samba ganhou o mundo. E tudo começou naquele continente do outro lado do oceano Atlântico, que Caetano pensou ser o maior do planeta. O grandioso continente (pra mim, indiscutivelmente, o maior de todos) de onde navios negreiros carregados de homens negros como a noite, horrendos a dançar no balanço das ondas e no estalar do açoite, vieram trazendo o “semba” para o Brasil. E o “semba” foi se instalar logo aonde, diga lá...
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ONDE O RIO É MAIS BAIANO
Caetano Veloso
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A Bahia
Estação primeira do Brasil
Ao ver a Mangueira nela inteira se viu
Exibiu-se sua face verdadeira
Que alegria
Não ter sido em vão que ela expediu
As Ciatas pra trazerem o samba pra o Rio
(Pois o mito surgiu dessa maneira)
E agora estamos aqui
Do outro lado do espelho
Com o coração na mão
Pensando em Jamelão no Rio Vermelho
Todo ano, todo ano
Na festa de Iemanjá
Presente no dois de fevereiro
Nós aqui e ele lá
Isso é a confirmação de que a Mangueira
É onde o Rio é mais baiano...
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Foto da Beija-Flor 2008: Luís Alvarenga

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

MACAPÁ 252 ANOS


O NOSSO MAIOR SONHO,

É VER MACAPÁ

NAVEGANDO NA VANGUARDA

TODO ANO.


MINHA CIDADE QUERIDA...


EU TE AMO!


Aroldo Pedrosa